sobre ser mulher, preconceito e muito mais
Diogo Reis (texto e fotos)
Ela já recebeu a honra de apadrinhar uma turma de Estudos de Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF), em 2013. Homenagem comumente prestada a célebres do mundo acadêmico. No mesmo ano, inspirou dissertação da pós-graduação em Cultura e Territorialidades da mesma instituição. Por muitos, é vista como diva. Para as mulheres, vem se tornando cada vez mais um símbolo de liberdade. Considerada a rainha do funk, Valesca dos Santos Reis, ficou notória como dançarina e pela parte do corpo que lhe rendeu o sobrenome Popozuda. Hoje, a ex-frentista é muito mais do que uma artista da ‘baixa cultura’. O reboliço causado com músicas explícitas dão a ela o título de embaixatriz das minorias, que passeia livremente em todas as classes da sociedade, do baile da comunidade onde ela procurava o negão às páginas da Vogue. Em entrevista ao RC24H, ela aproveitou para se desculpar pela ausência no segundo dia do Bloco Evidence, chamou para si a responsabilidade e falou da alegria de estar em Cabo Frio.
RC24H – Mesmo que um pouco fora ainda das discussões teóricas e políticas que começaram com a sua música, você já sentia que estava lançando um grito de liberdade sexual da mulher com o sucesso 'Vou pro baile'?
Valesca Popuzuda – Quando eu recebi a música na época eu pensei "Que letra forte que coisa" daí analisei e pensei "Irei gravar, se homem pode cantar que vai pegar todas no Baile eu também posso pegar um negão" e assim começou, quando eu chegava no baile e ouvia os MCs cantando achava tudo machista. Lembro que tinha uma música que falava de um rapaz que queria uma mina pra casar, mas ela tinha que lavar e cozinhar, ou seja, era a imagem já criada pra mulher de anos e anos atrás a famosa "Amélia" e eu vim desconstruindo isso tudo.
RC24H – Depois de ter fomentado discussões no meio acadêmico e até inspirado uma dissertação de mestrado da Universidade Federal Fluminense, você passou a refletir um pouco mais sobre o poder da sua música?
Valesca – Passei sim, antes não tinha noção que minhas letras eram digamos que "base de estudo" quando eu li o trabalho achei sensacional.
RC24H – 'Beijinho no ombro' traz uma divertida e leve reflexão sobre conflitos no âmbito pessoal e o único palavrão é feito através do silêncio. Estamos diante de uma Valesca que está se adaptando para ser mais aceita, tocar na rádio etc?
Valesca – Podemos dizer que sim, mas não foi pensando em tocar em Rádio e TV, eu sempre fiz o que eu gostava, não me importava aonde iria tocar se seria no baile de luxo ou no de favela, eu sempre quis trabalhar, mas quando pensei em fazer carreira solo eu apenas tinha em mente fazer algo "novo" e daí surgiu essa Valesca de Beijinho no Ombro que é nova Valesca do momento (risos).
RC24H – Recentemente, em seu Instagram, você fez um emocionado desabafo depois de ser fotografada para a revista Vogue. Você podia imaginar que, vindo da periferia, você chegaria ao público refinado de uma publicação como essa?
Valesca – Nunca imaginaria, nunca! Sou mulher e como qualquer uma eu lia e via a revista e ficava sonhando, vendo as modelos, as artistas magérrimas e chiques nas fotos, mas nunca me coloquei no lugar delas e, quando cheguei no estúdio pra gravar, eu só pensava assim: "agora essas mesmas modelos irão me ver". Foi muito louco!
RC24H – Sabendo que não há mais limites para sua arte, você sente que ainda falta conquistar algo?
Valesca – Falta claro, sempre falta, eu sou muito pé no chão e ainda preciso conquistar e vou conquistar muita coisa!
RC24H – Muitos grupos alvos de preconceito como negro, favelado, pobre, homossexual etc se identificam com a sua imagem, sua música. Você os representa, mesmo que não seja exatamente homossexual, pobre ou negra, por exemplo. Mas você já enfrentou preconceito? Você ainda sente ele?
Valesca – Eu já enfrentei sim, por todos os lados, as vezes sinto, sim, mas eu sou muito mais eu, sabe? Procuro não deixar isso me abater e nem me ferir em nada. Tenho uma raiz muito forte. Sou filha de negros, vim da favela e sou livre de qualquer preconceito sexual. Imagina chegar hoje em dia na sociedade e dar sua cara a tapa, imagina defender bandeiras que são massacradas pela sociedade e pelo ser humano. Mas é aquilo que sempre digo: abaixa a cabeça quem quer; Luta quem pode e se cala quem tem medo – e isso, meu bem, eu não tenho!
Valesca – Desculpa. São meus fãs que me tornaram quem eu sou. Devo tudo a eles. Não me importo com mídia, me importo com eles. Sou uma pessoa muito séria. Posso ter todos os defeitos do mundo, mas não sou irresponsável. Se não vim, foi porquê não deu, mesmo. Perdi voo, passei mal, mas vim para fazer o melhor show. Eu amo Cabo Frio e amo estar no palco. Vou voltar a ser criança.
RC24H – E para quem você manda um beijinho no ombro?
Valesca – Para todas aquelas pessoas que acham que minha carreira não daria certo sem a Gaiola (das Popozudas). É muito bom quando a gente consegue dar um tapa de luva de pelica nessas pessoas. Beijinho no ombro é isso.
Uma Valesca muito além do beijinho no ombro. Bom que ainda existe jornalismo que prefere mostrar o lado bom das pessoas. Mandou benzão.
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