sábado, 8 de fevereiro de 2014

ARTIGO: Uma incursão no Mundo Cão – Luciano Moreira conta como foi estar na linha do tiro na Boca do Mato




Por Luciano Moreira

Sou jornalista há 23 anos, 5 meses e 14 dias.  Me esmero nessa conta porque minha carreira poderia ter terminado nesta quinta-feira, dia 6 de fevereiro, de maneira trágica, durante a cobertura do confronto entre a comunidade da Boca do Mato e Policiais Militares.

Primeiro tenho que esclarecer que não estava lá, na linha de tiro, porque queria, efetivamente, estar ali.

Cheguei a Cabo Frio há 4 anos, para ser editor do extinto jornal Diário do Litoral e minha “especialização” sempre foi o jornalismo político.  Foi para isso que fui convidado pela Renata Cristiane para colaborar em seu blog:  escrever sobre política.

Mas, uma vez na redação e os fatos acontecendo, acabamos, todos nós, jornalistas, escrevendo sobre tudo.  Foi assim que fui “escalado” para cobrir o confronto.

Comecei conhecendo o lado da truculência dos traficantes, ao ser abordado por rapazes imberbes que me obrigaram a entregar meu equipamento e “subir” para um local que não cheguei a conhecer – graças a Deus e a um anjo da guarda – momento em que só lembrei de Tim Lopes e do “micro-ondas” de pneus.

Depois, conheci, ao mesmo tempo, o desespero de estar na linha de tiro – de ambas as partes – e a solidariedade entre os alvos, pois, enquanto corria dos tiros da polícia, as pessoas à minha volta me puxavam, me mandavam entrar nos becos e me indicavam os locais “seguros”. Já ao lado dos PMs, um deles genuinamente preocupado comigo, me avisou com toda a cordialidade que a rispidez permite: - Você não está vendo que está no meio de um tiroteio? Está de colete? Não? Então pega sua moto e vai pra um local seguro!

Nunca obedeci a uma ordem alheia com tamanha rapidez e agilidade!

Durante essa espécie de choque de realidade, as sensações se sucedem de forma quase que paralela as reações instintivas.

É óbvio que nos momentos em que estava junto às pessoas da comunidade, o sentimento de revolta ou, até mesmo, de que o que acontecia era covardia, tentava se apossar das minhas opiniões.

É óbvio, da mesma forma, que me sensibilizei com os PMs acossados – pelo menos oito deles se espremendo em um espaço de, no máximo, 2 x 2, para se proteger dos tiros que vinham em sua direção – e que tiveram a preocupação de me alertar para minha vulnerabilidade no local em que estava.


Existiam duas pessoas entre mim e o Gabriel


Um sentimento diferente, que nunca havia sentido, foi o que me acometeu no sepultamento do Gabriel de Souza Santana, o rapaz de 17 anos que vi morrer enquanto corria dos tiros.  A comoção de seus parentes, mesmo associada a um profundo sentimento de revolta, me fez perceber o quanto somos todos iguais na hora da dor.  Bandido, PM, eu, você, todos choramos, todos temos sentimentos.

A primeira lição que tiro disso tudo é que, no fim, acabo sempre falando de política enquanto jornalista.  Ou da FALTA dela!

Da falta de políticas públicas que norteiem uma sociedade mais justa, mais cidadã, mais honesta e menos hipócrita, que não jogue cidadãos contra cidadãos e que não crie classes sociais e profissões do bem ou do mal.


A segunda lição é o quanto nossa família vem à nossa mente quando estamos em perigo.

No fim de tudo, passamos nossas vidas nos defendendo, instintivamente, para sobreviver, usando as armas – mecânicas ou intelectuais – que a vida nos disponibiliza em seu curso natural.

2 comentários:

  1. Parabéns Luciano ,acompanhei tudo pelas suas reportagens .parabéms pela sua isenção .mais gostaria de ressaltar a falta de planejamento em nossa cidade .falta de planejamento geral pois somos um município com recursos(royalties), que não vemos traduzidos em bem estar para o município .

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