sábado, 8 de fevereiro de 2014

A culpa é de quem? – opinião da jornalista Andréa Luiza Collet sobre o conflito na Boca do Mato, em Cabo Frio


A culpa é de quem?

Ontem (6/2/14), tive a oportunidade de acompanhar os bastidores da cobertura jornalística do confronto entre policiais militares e pessoas armadas na comunidade Boca do Mato, em Cabo Frio/RJ. A tragédia terminou com dois mortos e dois feridos, entre eles, uma criança de colo que teve a vida bruscamente interrompida por uma bala perdida, que também atingiu o rosto da mãe, de raspão. A pergunta mais repetida nas últimas horas, “De onde partiu o tiro?”, tem sido respondida com muita especulação pela comunidade e até mesmo por agentes da lei. O questionamento, que pode ser respondido pela perícia com relativa facilidade, se propõe a achar o culpado. A resposta científica pode apontar o verdadeiro autor dos disparos, que deve ser responsabilizado (ou não) por sua atitude, e, caso encerrado. Afinal, não foi o primeiro confronto; tão pouco será o último. Muitos inocentes já perderam a vida como a pequena Gabriele. Outros tantos ainda morrerão, simplesmente por estarem “no lugar errado, na hora errada”.

Mas, como mãe e cidadã, depois de ver as fotos de uma menina na maca de um pronto-socorro, gostaria de insistir na pergunta “De quem é a culpa (ou responsabilidade)?”. Penso na profunda dor e revolta (sim, um sentimento humano) dos pais, que terão em suas mentes a doce lembrança de uma menina cheia de vida entrelaçada com os momentos finais, quando ela foi cruelmente arrancada de seus braços. Lembro da imagem da sapatilha cor-de-rosa nas mãos do pai arrasado. Uma sapatilha que conduzia passos, que carregava sonhos e expectativas. Uma sapatilha que agora – e para sempre – ficará vazia.

Recuso-me a aceitar uma resposta simplista para a pergunta. Assim como a bala dilacerou uma família, gostaria que a pergunta entranhasse os mais profundos abismos da nossa sociedade, desnudando as reais causas do caos gerado pela violência urbana, que acompanhamos diariamente nas nossas cidades (quer seja pela tela mágica, dentro das nossas fortalezas pessoais, quer seja exercendo o nosso direito garantido por Lei de ir e vir – que também deveria ser com segurança). Com a inquietação natural da profissão, tenho a necessidade de enxergar além do óbvio. É necessário perceber que o desequilíbrio social é consequência e não uma simples causa. É resultado de problemas crônicos, perpetuados ao longo de décadas, séculos. A somatização de falhas – do Estado, da Justiça, do sistema econômico e demais organismos que formam a sociedade -, que acabam por adoecer o todo. Um sistema alimentado pela ganância, pelo poder, pelo ódio… e também pela indiferença, ou seja, por nós mesmos, que injetamos uma dose extra de vitamina a cada novo pleito eleitoral. 

Pensando assim, talvez a culpa também seja minha. Espero errar menos pelo menos ao explicar, com calma, para o meu filho o que ele assistiu de camarote. Assim como Gabriele, ele ainda “vive” num mundo que mistura realidade e imaginação, e acredita que as coisas podem ser diferentes, melhores. Em memória da pequena Gabriele, que eu não perca a fé no ser humano e, assim como as crianças, possa continuar sonhando com um mundo mais cor-de-rosa (rosa sapatilha).

PS.: A cobertura do confronto, realizada pelos colegas de profissão – na linha de frente ou nos bastidores –, nos recobra a memória de que o Jornalismo é uma profissão de risco. Parabéns a todos que abdicaram do descanso, lazer e momentos com a família para manter a sociedade informada. Que Deus proteja e guarde cada um, especialmente o colega Santiago Andrade (Rede Bandeirantes/Rio), que não teve a mesma “sorte” que vocês, guerreiros e, acima de tudo, seres humanos.

Andréa Luiza Collet
Jornalista

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